Conforme expõe o desembargador Alexandre Victor de Carvalho, a aplicação da Lei de Drogas no Brasil ainda gera discussões relevantes no Judiciário, especialmente quando se trata do chamado tráfico privilegiado. A recente decisão proferida no processo de Apelação Criminal nº 1.0027.11.013950-1/001, da Comarca de Betim, traz à tona um importante debate sobre a possibilidade de substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos nesse tipo de crime.
Este artigo analisa a decisão de um caso sob a ótica desse magistrado, que tem se notabilizado por seu posicionamento jurídico técnico e humano.
A caracterização do tráfico privilegiado e a posição da maioria
O caso julgado pela 5ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de Minas Gerais envolveu um réu, condenado por tráfico de drogas com base no artigo 33 da Lei 11.343/06. A defesa pediu a desclassificação para uso próprio e, alternativamente, a substituição da pena privativa por restritiva de direitos. A Turma entendeu que, apesar de ser possível a substituição, o regime inicial fechado deveria ser mantido, considerando o caráter hediondo do delito.

Contudo, a interpretação do Desembargador Alexandre Victor de Carvalho divergiu. Para ele, o tráfico privilegiado — previsto no § 4º do artigo 33 — não se enquadra como crime hediondo, exatamente por sua natureza diferenciada, voltada a réus primários, não reincidentes e que não integram organização criminosa. Manter o regime fechado nessa hipótese seria violar o princípio constitucional da individualização da pena, além de desconsiderar a distinção clara feita pelo legislador entre o tráfico comum e o privilegiado.
O voto vencido de Alexandre Victor de Carvalho: argumentos jurídicos robustos
O voto do Desembargador Alexandre Victor de Carvalho é pautado por uma análise técnico-jurídica profunda e fundamentada em princípios constitucionais. Ele argumenta que o artigo 44 da Lei de Drogas não inclui expressamente o § 4º do artigo 33 entre os delitos que não admitem substituição de pena. Por isso, entende que a vedação à conversão da pena em restritiva de direitos não se aplica ao tráfico privilegiado.
Além disso, o Desembargador ressalta que considerar o tráfico privilegiado como crime hediondo fere o princípio da legalidade. Ele lembra que a Constituição Federal e a Lei dos Crimes Hediondos (Lei 8.072/90) não incluem essa figura entre os crimes hediondos ou a eles equiparados. O magistrado ainda reforça sua posição com base em precedentes jurisprudenciais e doutrina penal moderna, destacando que o tratamento mais brando está em sintonia com a política criminal contemporânea.
A substituição da pena e a visão humanista do Desembargador
No mesmo voto, Alexandre Victor de Carvalho manifestou-se favorável à substituição da pena privativa de liberdade por pena restritiva de direitos, contrariando a interpretação literal e rigorosa de que o tráfico de drogas, ainda que privilegiado, não permite essa conversão. Para ele, a vedação contida no § 4º do artigo 33 não pode ser aplicada de forma absoluta e generalizada, pois isso implicaria um tratamento penal desproporcional.
O Desembargador demonstrou, mais uma vez, sua sensibilidade jurídica ao considerar o contexto social e pessoal do réu. Por ser primário, de bons antecedentes e não integrar organização criminosa, o réu deveria, em sua opinião, ter direito à aplicação de penas alternativas. Assim, ainda que tenha sido voto vencido, o entendimento do magistrado reforça a necessidade de um Judiciário comprometido com a justiça individualizada, que leve em conta as particularidades de cada caso concreto.
Por fim, a decisão proferida pela 5ª Câmara Criminal do TJMG no processo do réu demonstra a complexidade da aplicação da Lei de Drogas e as divergências legítimas dentro do Poder Judiciário. O voto vencido do Desembargador Alexandre Victor de Carvalho traz à luz um importante debate sobre o tráfico privilegiado, com argumentos técnicos e humanistas. Sua atuação nesse processo reforça sua reputação como jurista garantista, comprometido com a Constituição e os direitos fundamentais.
Autor: Valery Baranov